07 novembro 2015

À passagem


O vestido velho acusou mentiras. Mal sabe ele que sofro de esquecimento. É sempre assim o encontro da razão e da realidade, as duas se conhecem, são vizinhas e mentem muito acreditando que são senhoras distintas de natureza nobre. Mal sabem que sua origem  é das trevas e santas promessas vivem a sua espera. Faço de conta que acredito na sua importância e que reconheço sua integridade. Ouço os sussurros ao meu ouvido: insana e demente. As vozes pensam que eu nasci longe da verdade, sempre me avaliam por sorte de várias promessas, e se esquecem dessa luz que  me acompanha, que adormece a cada raiar do dia, e prefere permanecer oculta. Da loucura quero distância e ventos sopram ao meu favor, a grade já foi cerrada, os passarinhos já fugiram da tempestade  só aguardo  sua chegada, sei que é certo, me deixarão partir, nunca mais seus sussurros hei de obedecer. A justiça virá a cavalo e com sede, muita sede. Deram-me penas falantes, e nessas letras despedaçam milhares de algemas. Ouço risos em tom de vitória e deixo tudo dentro escorrendo entre essas alegrias passageiras, é como um rio de correnteza forte, que me arrasta junto com os troncos e destroços depois da chuva. A força da água corre no meu peito e meu olhar se dispersa no horizonte. Posso jurar que quero uma cura, uma receita caseira, pode ser um chá, para que esse peito não doa mais dividido em liquida força. Atravesso a ponte com a esperança de achar minha cura do outro lado,  naquele lugar onde as imagens não são mais necessárias. 

26 outubro 2015

Ao meu retorno



                                                      (Joan Miró)


"Vi? Vejo: o tempo e o tempo, as duas faces. Tempos. Vejo e aflijo-me:não tenho meios para expressar. Entretanto, mesmo sabendo ser inútil, devo tentar - um sinal -, pois ver e não dizer é como se não visse. Um sinal."

Osman Lins

07 março 2013

Imagem

 



O homem é pó, é sol
e nada diante do espelho
me revela quem sou.

01 março 2013

Espelho Segundo

 
 

O tempo é apego.

Espelho




O tempo é passado.

18 setembro 2012

passagem


É raro assim os peixes, as algas
é certo assim o dedo apontado para o mar,
que de perto parece fronteira de céu e terra
e a largo olhar se despedaça em sinais na areia.

03 janeiro 2012

Amanhecer


O meu pensamento rodeado de imagens abstratas

desconhece a realidade de figuras

tão sólidas.

15 novembro 2011

Espelho


Foto de Cassio Amaral
No lugar que permaneço
os significados  e as palavras inexistem.

Somos mudos e irreconhecíveis
a imagem não tem mais importância.

As asas seladas agora repousam
em seu leito de morte.

27 setembro 2011

Futuro


Crivo o calcanhar na pedra sentindo a dor do corte
a casca da ferida cheira mal
são marcas da gaiola
ferro fundido na razão humana e insana
que os olhos já cansaram de apreciar.

25 agosto 2011

Livro Hierofania dos Dedos - Poeta Português Jorge Vicente

26.

não sobrou nenhuma oração
nunca sobra nenhuma oração
quando deus se esquece das
voisas da carne e desagua
dentro de mim.

é talvez o poema que faz isso:
que se enterra, que assalta,
que agride, mas o poema não
interessa, a virtude não existe
e o verso é apenas um homem
e a mulher apenas uma mulher.

o que existe é a água, a sede,
a fome e a necessidade de desaguar
sangue dentro da pele; o ridículo
do miar do gato, a treva, a noite,
a saliva gasta mas que subsiste
no toque da carne.

tudo o mais é ilusão:
as valas da pele na superfície
da cama.

03 agosto 2011

Foto de Cássio Amaral
Dormem os dias sonhos a fio
tecem em largas escalas
o frio de meras repetições

28 junho 2011

Metamorfose

Foto de Cássio Amaral

Recolho certos vermelhos
da janela a dentro
e esqueço a poeira do agora.

Emendo a raiz nos poros dos porcos,
limpo a cara, este rosto de lama.
Agradeço o verde crescendo na pele,
o bico aparando a boca,
as penas tomando espaços.